terça-feira, 30 de junho de 2009

...da Lumbala a Caripande...


Caripande foi em tempos o posto fronteiriço de ligação de Angola à Zâmbia pelo Saliente Cazombo (hoje desconheço se está activo!?).
Era uma pequena aldeia, composta por uma sanzala, algum comércio, posto administrativo e fronteiriço e um destacamento militar. Este pertencia à Companhia aquartelada na Lumbala.
Com a intensificação dos combates nas décadas de 60 e 70 e dada a presença de uma base do MPLA em território zambiano, a pouco kilómetros da fronteira, no tempo da Companhia anterior à nossa, foi decidido abandonar Caripande, dada a insegurança com que lá se vivia. Efectivamente Caripande era constantemente fustigada com ataques de morteiro vindos do outro lado da fronteira e, quem se encontrava em Caripande, não podia ripostar, pois isso seria violar território estrangeiro e por conseguinte infringir as leis internacionais.
Abandonado Caripande havia necessidade de manter aquela zona patrulhada, a fim de tentar controlar a infiltração de grupos do referido movimento armado ali baseado e sua possível actividade bélica, principalmente na montagem de armadilhas e colocação de minas nas picadas.
Quando efectuávamos essas patrulhas ou operações percorríamos picadas, caminhos de floresta e trilhos. Diversos obstáculos tinham de ser ultrapassados, entre os quais os rios da rede hidrográfica daquela região, alguns dos quais afluentes do Lufuige e outros como este do Zambeze. Podemos enumerá-los desde a saída da Lumbala. Assim tínhamos: o Nhamboma com o Macunhe, o Cavanda, o Luxima com o Cagila, o Chissamba, o Cacande, o Catecha, o Calupemba e o Lufuíge com o Londoge e o Lué. Por último e antes de chegar ao Caripande encontrávamos o Chibeba.
Grande parte destes era atravessado pela picada que antigamente ligava a Lumbala a Caripande e por isso havia que manter transitável e livre de qualquer perigo as pontes neles existentes. Muitas delas foram por nós reconstruídas com toros de madeira, coisa que facilmente obtínhamos com o abate de algumas árvores.
Durante a nossa estada naquelas paragens mantivemos uma intensa actividade de patrulhamento na área que nos estava adstrita e assim conseguimos manter toda a zona livre de qualquer ofensiva e as nossas picadas limpas de armadilhas. A isto não seria estranha a experiência do nosso capitão, que ali tinha feito o seu tirocínio como alferes. No entanto chegado o 25 de Abril de 1974 veio a ordem do comando da Região Militar do Luso e o cancelamento de todas as operações e suspensão de qualquer tipo de actividade. Em suma, teríamos de nos manter aquartelados mas sem efectuar patrulhas, operações ou o que quer que fosse. A guerra tinha acabado!
Puro engano…A guerra para nós tinha começado! A partir daí foi uma sucessão de acontecimentos. Primeiro sofremos um ataque ao quartel em Junho de 1974, foi o primeiro ataque desferido pelo MPLA em território angolano com mísseis terra-terra, armas que para nós eram desconhecidas. Eu encontrava-me em gozo de férias em Portugal e soube do dito através de um aerograma enviado por um companheiro, por isso não poderei relatar em pormenor o acontecimento e espero que isso venha a ser feito por algum dos presentes. No entanto, pouco tempo passado e quando já havia regressado à Lumbala, recebi correspondência do meu pai e, surpresa das surpresas, um recorte do jornal A Capital onde relatava em pormenor o referido ataque à Lumbala. Segundo o qual a Lumbala havia sido completamente destruída e as baixas mais que muitas…No entanto isso não passava de pura propaganda, pois dos ditos terra-terra nem um acertou no nosso quartel ou até mesmo na sanzala ou acampamentos circundantes dos GE e Flechas… Sem mais comentários…


Logo a seguir sofremos uma emboscada à escolta do MVL já a poucos quilómetros de Teixeira de Sousa. Aí sim a vítimas mortais aconteceram…
Aquando deste acontecimento encontrava-me eu no Luso, de regresso de férias. Quando a notícia lá chegou e dela tive conhecimento corri ao hospital a ver se chegavam feridos.
No dia seguinte segui no mala para Teixeira de Sousa aonde vim encontrar os meus companheiros, de coração destroçado pelas perdas sofridas. Regressei à Lumbala nesse mesmo MVL, e como regressava de férias não tinham farda nem armamento, pelo que tive de improvisar uma farda e a minha arma de defesa foi uma pistola Walter…

Depois disto outros trágicos acontecimentos surgiram… uma mina na picada quando o 1º grupo ía à lenha para os lados do Cavanda (estrada de Caripande) e logo o despoletar de algumas armadilhas instaladas na mata circundante…Alguns companheiros feridos e a necessitar de evacuação por via aérea…
Mais tarde o accionamento de duas minas, que embora se encontrassem instaladas lado a lado (à distância do rodado de uma Berliet), foram rebentadas em dias separados, primeira pela roda de uma Mercedes e a segunda por um Unimog, na picada entre a Lumbala e o Chilombo (direcção do Cazombo).
Esta última causou o momento mais negro da nossa jornada em Angola, o de maior sofrimento, terror e raiva vivido pela nossa Companhia.

Após o 25 de Abril aquela zona tornou-se efectivamente no “Champ Minnée”, como dizia o mapa que encontrámos pintado na parede do bar da messe de sargentos, no dia em que chegámos à Lumbala!

Nota: O autor foi Furriel Miliano do 2º Grupo de Combate da 1ª Companhia de Caçadores do Batalhão 4212/73 aquartelado na Lumbala Nova.


Entre 1960 e 1974 estiveram envolvidos nas guerras do ultramar, cerca de um milhão e meio de soldados portugueses. Infelizmente, as razões políticas que se opunham a essas guerras, têm tido até hoje mais força, do que o sacrifício de todos aqueles lhe nelas foram obrigados a participar, e a vozes que se ouvem contando a origem e a história dessas guerras , são infelizmente, as daqueles dos que por objecção de consciência ou por comodidade pessoal, saíram para fora de Portugal e nelas não quiseram participar.

Durante os tempos de Oliveira Salazar, afixaram-se pelas paredes de Portugal, muitos cartazes de propaganda, em que entre muito outras coisas se puderam ler de Camões, canto IV, estrofe XXXIII :
"Dizei-lhe que também dos Portugueses / Alguns traidores houve algumas vezes"
Claro que Camões não se referia ao século XX, mas sim àqueles portugueses, que nos tempos de D. João I, se passaram para o lado de Castela e combateram contra os interesses nacionais de Portugal. É certo que hoje se pode aceitar que para esses portugueses, a noção de respeito pela sucessão dinástica era mais importante que a noção de pátria portuguesa, compreendendo a sua tomada de posição nessas guerras.

O que seria inaceitável, era que esses portugueses que combateram por Castela, tivessem escrito a história lusitana sob o seu ponto de vista, esquecendo ou minimizando aqueles que realmente, combateram e sofreram por Portugal.

Assim os combatentes das guerras do ultramar, deverão deixar de se esconder como se fossem criminosos e gritar orgulhosamente como os espartanos de Leónidas - dizei a Portugal, que morremos, por obedecer às suas ordens -.

Nota do autor: Este artigo foi retirado da internet "in Memórias da Guerra 1961-1974".

domingo, 28 de junho de 2009

LUMBALA - " A NOVA "


Assim se chamava a localidade onde a nossa companhia esteve aquartelada.
Pertencia à antiga província do Moxico, cuja capital era o Luso, hoje ambos os nomes foram substituídos por LUENA, nome da etnia indígena que habitava aquela região do planalto, onde existia o Parque Nacional da Cameia.
Situava-se naquele quadradinho no Leste de Angola, mais conhecido pelo Saliente Cazombo. Ficava na margem esquerda do Rio Zambeze entre as confluências dos rios Luena e Lumbala e era atravessada pela estrada que ligava o Cazombo (Alto Zambeze) a Caripande, na fronteira com a Zâmbia.
Na margem direita encontrava-se a Lumbala “a Velha”, onde outro destacamento militar se encontrava aquartelado, e da qual partia a estrada de ligação ao Lucusse.
No presente toda essa toponímia está um pouco alterada e nas buscas efectuadas pouco conseguimos apurar, desconhecendo se alguma destas localidades está habitada, pois a guerra e a fome obrigaram as populações a movimentarem-se para outras áreas dentro e fora do território angolano.
Quando pesquisávamos a palavra Lumbala, apareceu-nos uma nova localidade com a toponímia Lumbala-N’Guimbo, situada onde antes era N’Guimbo e, no nosso tempo, julgo que, Gago Coutinho (terra dos Bundas). Cheguei a esta conclusão porque o seu “aeroporto” tem a sigla “GGC” !

Voltando à região calcorreada por nós de Agosto de 1973 até Novembro de 1974, para falar da estrada que nos levava à sede do batalhão – Cazombo. Seguíamos para Norte, eram uns 100km de picada, experimentando grande dureza e atravessávamos numerosas pontes construídas com troncos de árvores. A primeira povoação que encontrávamos era o Chilombo, igualmente na margem esquerda do Zambeze, onde se encontrava um destacamento de Fuzileiros, depois seguiam-se outras de menor importância e enfim o Cazombo. Aqui, a possibilidade de irmos beber uma cerveja ou comer uma alheira com um ovo estrelado ao “civil”, assim chamávamos aos bares e restaurantes dos comerciantes por ali estabelecidos.
Quando nos calhava a sorte de termos de fazer a escolta ao MVL, então, no dia seguinte seguíamos mais para Norte até ao Cavungo (Nana Candungo) e dali até ao Marco 25, a partir do qual percorríamos a fronteira com o Zaire (ex-Congo Belga) até chegar a Vila Teixeira de Sousa (Luau), onde os comerciantes civis se vinham abastecer.
Teixeira de Sousa era servido pelos CFB (Caminhos de Ferro de Benguela), via de comunicação importantíssima tanto para Angola como para outros países do interior africano, principalmente o Zaíre e, já na altura se mostrava como uma pequena cidade em embrião.
Aqui chegamos de comboio a 24 de Agosto de 1973 e daqui seguimos em sentido inverso até à Lumbala, lembro essa viagem alucinante na caixa de camiões de carga e recordo a passagem pelas povoações e a chegada à Lumbala um pouco à laia de algumas passagens do filme “Apocaplipse Now”! Tudo aquilo para nós era o desconhecido…e a recepção dispensada, a nós “maçaricos”, algo que perduraria na nossa memória.
Ainda falando de Teixeira de Sousa, ali encontrávamos um pouco mais de civilização e, além de podermos ir ao cinema ou a uma matinée dançante, podíamos nos deliciar com uns bons mergulhos na piscina do Luau, junto à fronteira com o Zaire.
De Teixeira de Sousa seguia depois a estrada para Nova Chaves, Henrique de Carvalho, Malange, Salazar…até Luanda. Hoje olhamos o mapa e não conseguimos decifrar este itinerário, o qual, percorremos, no final, aquando do nosso regresso a Luanda, pois a toponímia é totalmente diferente!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Memórias...




É tempo de exorcizar fantasmas…!
De dizer tudo aquilo que nos vai cá dentro e que calámos anos e anos…
De repente, vestem-nos uma farda verde e dizem-nos que somos soldados. Fazem-nos estudar tácticas e armamento, exercitar o físico e fazer marchas carregados como asnos.
Põem-nos uma arma na mão e somos obrigados a disparar sobre alvos móveis e fixos…
Tudo isto acompanhado de impropérios e dos mais “altos elogios” e “apelidos” que elevam o moral ao ser mais inferior… Depois são as palestras, as tácticas e técnicas de guerrilha, mas quem as ministra? Gente conhecedora e com experiência no terreno? Não! Soldados que como nós, feitos à pressa e após seis meses julgavam já estar aptos a ensinar aquilo que não aprenderam… Tivemos sorte, mesmo muita sorte…O nosso comandante de pelotão na recruta ministrada nas Caldas da Rainha era o Alferes Brito…diziam que já deveria ser Capitão e estar a comandar uma companhia qualquer no Ultramar…mas não! Estava ali, porque, diziam, tinha apanhado uma “porrada” na Guiné!… Aprendemos mais com ele na recruta do que em Tavira na especialidade! Mais tarde em Angola, na Lumbala, viemos a reencontrá-lo. Era o comandante da Z.O.Leste dos G.E.s (Grupos Especiais). Ficamos felizes. Tinha sido feita justiça com o reconhecimento do seu real valor como militar. Com homens como ele a ensinar, a dar testemunho da sua experiência tudo teria sido mais fácil e muitas vidas poupadas…
Mas não, passados três meses em Tavira onde a diversão dos graduados era levar os instruendos às salinas a fim sujarem a farda e com ela o passaporte ou título de dispensa, que nos levava para fora do quartel, pelo menos por algumas horas, era o prato forte…
Um dia, depois de na Atalaia termos efectuado dos mais degradantes exercícios, através de esgotos e arame farpado, para gáudio dos instrutores que deliravam ao ver e a escarnecer do espectáculo, fizeram-nos subir ao muro e ao pórtico…Lá em cima a pernas tremiam-nos. Não de medo, mas sim de revolta, de raiva e, olhando lá ao longe as salinas e o mar e no horizonte uma linha…pensávamos para ali fica Marrocos…




Memórias – parte II

Mas aguentamos, e, em Janeiro de 1973, esperámos ansiosamente receber a carta que ditaria a nossa sorte. Mais do que nós sofriam os entes queridos…Minha Mãe não resistiu à espera e, na véspera de receber a guia de marcha, despediu-se de todos nós…
Apresentei-me mais pobre no R.I. 2 em Abrantes no dia 8 de Janeiro…Ali estivemos um mês a dar recruta a soldados que formavam Batalhão para Moçambique, o B.CAÇ 4211/73, e lá tive de pôr à prova o pouco que tinha aprendido mas, que ao transmitir àqueles homens, por certo lhes seria útil dada a incógnita do que iriam encontrar… Em Fevereiro marchei até Tancos, ao Casal do Pote, onde na arma de Engenharia fui introduzido nas artes das Minas e Armadilhas. Aqui sim, o profissionalismo existia e os ensinamentos técnicos com base nas leis da física e da química, passavam além da prática, preparando-nos para o que pudéssemos vir a encontrar… Mas o IN era esperto e bem apoiado, por isso nem tudo o que ali aprendemos, na maioria baseado nas técnicas da guerra convencional de trincheira , seria o que depois enfrentaríamos, embora muitas das armadilhas da guerrilha já ali nos fossem mostradas. Por fim, de lá saímos com o crachat “Argúcia e Audácia” e regressamos a Abrantes.

Abrantes do Pelicano e das travessas de febras fumegantes e de batatas fritas estaladiças, la para os lados do Rossio ao Sul do Tejo, na Chainça… Das partidas de matraquilhos em Rio de Moinhos no curto intervlalo de almoço ou dos “raides” a Tomar, Torres Novas ou Entroncameto… Eram estas as recordações que levávamos!...
E de uma noite louca em que, com os amigos naturais de Lisboa e não só, decidimos ir ao arraial de Santo António a Lisboa…depois de uma “bacalhauzada” no João do Grão, corremos diversos bairros e acabamos em Alfama…Quando regressamos a Abrantes já estava a malta na parada para a formatura do pequeno almoço…Foi uma directa!

Mas havia que preparar os nossos homens para aquela jornada em África…Já se falava em Angola, já que o anterior batalhão tinha rumado a Moçambique. Demos o melhor de nós, afinal era com eles que iríamos contar e ter de enfrentar o desconhecido…
Foram meses duros…ainda mais, porque tínhamos alguém a quem obedecer que por vezes fazia pouco para o merecer… Por alguma razão se manteve como foi até ao final da comissão!
Depois a surpresa que muito nos agradou… O nosso Capitão havia estado, no Leste de Angola, como Alferes Miliciano, exactamente no mesmo local onde a nossa companhia estava destinada… A Lumbala.
Concluída a formação do Batalhão mais algumas peripécias com a partida…Partida marcada, parte não parte…Duas despedidas à família… E alguns já diziam: Isto é tudo psico! Eu sei lá o que era, mas que era muito mau, era!
O dia D enfim chegou e lá partimos num voo dos TAM cerca das 23h…que, por sinal após uma hora e meia de viagem, teve de regressar a Figo Maduro… Era mais psico? Não! Era mesmo avaria e só voltámos a embarcar era já madrugada…


Memórias – parte III

Chegamos a Luanda… A primeira imagem é toda aquela terra vermelha…África!
E lá fomos para o Grafanil… Era uma azáfama de gente (militares) e viaturas…Puseram os nossos homens numa caserna bem arejada e a nós sargentos (furriéis) numa casa de madeira em cujo telhado só se viam osgas a passear…coitadinhas das “aborboletinhas”…Fujimos logo dali e fomos pedir asilo na Setubalense bem perto da Mutamba (onde se apanhava o “machibombo” para o Grafanil…) até que rumamos à Funda para fazer o I.A.O., ou seja a adaptação à zona operacional… Na Funda ficamos instalados num antigo colonato e dali partíamos em pequenas operações pelas matas do Catete…Para quem desconhecia as matas e florestas africanas foi uma experiência inolvidável, onde ataques de formigas “salalé” e de pulgas “matacanhas” nos deixavam desesperados… Depois a visita a algumas fazendas da região…uma delas a Maria do Carmo ou seria Maria Helena?!...
Nos momentos de folga dávamos uns “raídes” até ao Cacuáco e tirávamos a barriguinha de misérias a comer camarão e caranguejos de Moçâmedes bem regados com uns “canhangulos”.
Mas o Leste estava à nossa espera e era preciso rumar até lá…
A 21 de Agosto partimos do Grafanil, qual carregamento de verdes melões…Todos de camuflado nas carroçarias das camionetas, que normalmente traziam frutas e produtos agrícolas do interior até Luanda…!
Passamos pela Quibala…pelos colonatos da Cela e…
Chegamos a Nova Lisboa já noite. Fomos pernoitar no quartel do EAMA.
De manhã levaram-nos para a Estação dos Caminhos de Ferro para apanharmos o comboio da linha do leste – o Mala (Caminhos de Ferro de Benguela), mas este saiu tardiamente e no primeiro dia fizemos somente um pequeno percurso até Silva Porto. No dia seguinte fomos até ao Luso…o Leste era já ali… Passávamos por estações apinhadas de gente indígena que nos tentava vender fruta ou outra coisa qualquer e os “canhicas” (assim se chamavam os miúdos – os putos – na língua Luena) pediam-nos latas (de ração de combate). Se algum de nós atendia o pedido e lhes atirava uma, era uma alegria e uma correria desenfreada a ver quem a apanhava! Numa delas cruzámo-nos com um Esquadrão de Dragões, acabados de terminar uma patrulha a cavalo pelas “chana” queimada, todos eles negros do fumo e do carvão, quase não reconhecíamos o Pereira, nosso conterrâneo de Arrancada do Vouga, furriel naquele esquadrão…
Depois eram as paragens técnicas em lugares específicos, pois era necessário que se fizesse o reconhecimento da linha a ver se estava limpa e livre de qualquer perigo…
Tudo aquilo desfilava aos nossos olhos como tirado de um filme já visto…O Dr. Jivago, mas com menos neve…e mais, muito mais, quente. E claro sem ponta de Vodka ou algo parecido!
A chegada à Vila de Teixeira de Sousa, o fim da linha, era uma festa. A vida parava na Vila para vir assistir à chegada do Mala…Era um amigo, um familiar, uma encomenda que nele chegava ou a simples curiosidade de ver chegar o comboio, o que atraia tanta gente à estação. Naquele dia chegou tropa, muita tropa… Fomos logo encaminhados para o Quartel de Teixeira de Sousa onde aguardamos pelas viaturas que nos haviam de levar picada abaixo até ao Cazombo e depois à Lumbala.
Foi mais uma aventura, pois tudo era para nós desconhecido…Quando atravessávamos alguma ponte, normalmente com sanzalas por perto, as inúmeras fogueiras faziam-nos lembrar algo irreal…Chegamos ao Cazombo, sede do Batalhão. A coluna desmembrou-se e nós seguimos mais para sul…ao longo do Zambeze.
Chegamos à Lumbala já noite. Toda ela estava iluminada com inúmeras fogueiras… A recepção, dos que lá estavam, aos “maçaricos” não podia ter sido melhor. Parecia uma cena tirada do “Apocalipse Now”, mas sem explosões, note-se… Afinal eram os substitutos, há tanto esperados, que os vinham substituir e assim proporcionar o seu regresso ao “Puto”. Ainda ficaram por lá uns dias e foram-nos transferindo instalações, experiências e até as lavadeiras…



Memórias – parte IV

À primeira vista tínhamos mesmo vindo cair num buraco…mas depois dando uma volta pelas redondezas verificámos que não estávamos assim tão mal…O Zambeze corria ali mesmo ao lado…o que nos garantia água com abundância. Tínhamos uma pista de aviação onde o Nord Atlas vinha periodicamente trazer correio, víveres ou transportar pessoas…Ao nosso lado o aldeia onde viviam os G.E.s e seguindo a estrada, que nos levava ao rio e à barcaça que nos atravessava para a Lumbala Velha, encontrávamos a casa do Administrador e a da D.G.S. e logo a seguir a Sanzala. Em frente a esta o aldeamento dos Flechas e mais à frente a loja do civil… Era a Lumbala Nova!

Numa primeira palestra o nosso Capitão começou por nos avisar que a nossa tarefa naquela região iria ser árdua. Teríamos de manter o respeito e fazer com que o M.P.L.A. não se aproximasse do nosso aquartelamento, de molde a permitir que nos fizessem qualquer ataque, o que já tinha acontecido anteriormente quando lá tinha estado como Alferes… A partir daí não mais dormimos todos juntos no nosso quartel, já que diariamente um grupo de combate se encontrava fora do arame em patrulha ou operação, normalmente para as proximidades do Lufuige, ou seja da fronteira com a Zâmbia, pois era daí que vinha o perigo (as infiltrações do M.P.L.A.).
No passado a existência de um destacamento em Caripande, posto fronteiriço entre Angola e Zâmbia, servia de tampão e matinha esse respeito, mas sofriam tantos ataques de morteiro por parte do M.P.L.A. com uma base dentro do território Zambiano, a poucos quilómetros da fronteira, que o comando do Luso mandou retirar esse destacamento. Após esse abandono por parte dos militares, Caripande morreu, tendo sido abandonado pelas populações e outros serviços lá existentes. Fomos lá numa operação…Era uma aldeia fantasma com as ruínas invadidas por vegetação. Do posto fronteiriço apenas a existência de uma barreira e de um polícia zambiano, que olhou para nós com um olhar espantado, pois há muito que não via gente do nosso lado! Estivemos por ali pouco tempo não fossem os nossos antagonistas avisados e de imediato viesse uma chuva de “ameixas”…
Joao Carlos Breda (ex-Furriel Miliciano)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O NOSSO BATALHÃO NO SALIENTECAZOMBO...




O SALIENTE CAZOMBO
Distribuição das Forças Militares e Militarizadas

O nosso Batalhão, o 4212/73 tinha a sua Companhia de Comando instalada no Cazombo, pequena vila situada na margem esquerda do Rio Zambeze, mesmo no coração do dito saliente. O saliente é aquele quadradinho que os antigos exploradores portugueses ali deixaram saliente no mapa de Angola. Ainda hoje me questiono o que terá levado os ditos a traçar fronteiras com aquela simetria!? Seria mais fácil traçar a fronteira seguindo o Rio Zambeze, que assim daria uma fronteira natural mas, algo fez com que o quadradinho lá ficasse…
Mas, não estou aqui hoje para desvendar esse mistério… Estou sim para falar da nossa tropa e por onde ela se encontrava acantonada.
Assim, como já dissemos a C.C.S. estava no Cazombo. A nossa companhia a 1ª estava na Lumbala Nova, como também já referimos. A 2ª Companhia encontrava-se na Calunda e tinha dois destacamentos: no Lóvua e no Macondo. A 3ª por sua vez ficou instalada no Cavungo (onde a rainha dos Luenas – Nana Candundo – tinha a residência ) e tinha também dois destacamentos; um no Massibi e outro no Jimbe.
Depois haviam outras companhias não pertencentes ao nosso Batalhão mas que designadas pela Região Militar Leste, com sede no Luso, ocupavam lugares estrategicamente importantes nesta área de grande infiltração por parte do M.P.L.A..
Assim, na Caianda encontrava-se uma CART (Companhia de Artilharia), que igualmente tinha um destacamento no Jimbe. No Chilombo, a menos de 20 quilómetros da Lumbala, uma companhia de Fuzileiros, que semanalmente nos visitava para ir receber o correio que chegava ao nosso “aeroporto” no Nord Atlas…
Do outro lado do Zambeze, na Lumbala Velha, a companhia independente C.Caç. 4149, que mais tarde esteve no Chilombo, aquando da retirada dos Fuzileiros para Luanda (após o 25 de Abril ).
Na sede do Batalhão, no Cazombo, havia ainda um Pelotão de Morteiros, que tinha as suas secções destacadas em diversos destacamentos, reforçando assim as Companhias, e um P.A.D., Pelotão de Apoio Directo, para intervir na área logística de viaturas: reparação e reboque.
Havia ainda as unidades militarizadas compostas pelos G.E.’s, directamente sobre o comando do Exército Português e os FLECHAS (ex-combatentes dos chamados movimentos de libertação) sob comando da D.G.S.(ex-PIDE).
Grupos de G.E.’s estavam distribuídos pelos seguintes aquartelamentos: Cazombo, Lumbala, Calunda (Lóvua e Macondo) e Cavungo. Os Flechas na Lumbala Nova e no Jimbe.
Depois havia que contar com os FIÉIS (tropas refugiadas do antigo Katanga – Congo Belga (Zaire), do tempo do Tchombé) e os LEAIS (refugiados da Zâmbia), ambos apoiados pelo Exército Português, auxiliando na execução de patrulhas e operações. Os Katangas estavam instalados na Gafaria (perto do Cazombo), os quais conhecíamos bem, pois passavam com frequência na Lumbala (o Serafim que o diga…punha mercúriocromo ou soluto de iozina no álcool puro a ver se eles não o bebiam, pois eram grandes clientes da enfermaria…), os segundos encontravam-se acantonados na Calunda e deles nem o rasto lhe vimos…
É possível que alguma falha exista nesta breve resenha e para isso conto com as achegas e comentários dos meus ex-camaradas…

Batalhão 4212/73...Abrantes - Angola /Alto Cazombo


Entre Abril e Junho de 1973 o Batalhão 4212/73 foi formado no RI 2 de Abrantes.
Rumou a Angola em Julho, tendo feito o IAO nas matas do Catete, estando estacionado na Funda (antigo colonato), depois de uma breve passagem pelo Grafanil (Luanda), por onde aliás toda a tropa passava...
No dia 21 de Agosto iniciou a sua aventura rumando ao Leste...
(na foto o 2º pelotão da 1ª Comanhia desfilando na despedida ao R.I. 2 Abrantes...)

RI 2 - Abrantes...a nossa origem...


O Regimento de Infantaria Nº 2 (RI2) é uma unidade da Estrutura Base do Exército Português desempenhando, actualmente, a função de Centro de Instrução Geral de praças voluntários e contratados, ministrando-lhes a instrução básica do respectivo Curso de Formação.

[editar] História
Historial:
A primeira unidade do Exército Português a adoptar a designação Regimento de Infantaria Nº2, foi o antigo Regimento de Lagos, com origem nas Ordenanças de Lagos criadas em 1570 e que passou a denominar-se RI2 em 1808.
No entanto, o actual RI2 tem origem, não naquela antiga unidade, mas sim no Regimento de Granadeiros da Rainha, unidade de elite criada em 1842, responsável pela guarda pessoal da Rainha D. Maria II.
Em 1855, o regimento adopta a actual designação de RI2, que manterá ao longo do resto da sua história, com excepção do período de 1977 a 1993 em que foi chamado Regimento de Infantaria de Abrantes.
O regimento manteve-se aquartelado em Lisboa, desde a sua criação em 1855, até 1918. Em 1918 foi transferido para Abrantes para onde hoje se situa a biblioteca de Abrantes, tendo mudado de instalacoes em maio de 1955, para ao quartel de Sao lourenço, onde esteve ate meados de 2006... "exelente e valoroso" era nao so o Regimento, mas todos aqueles que nele serviram.
Cronologia:
1842 - Criação do Regimento de Granadeiros da Rainha (RGR);
1846-1847 - O RGR participa nas campanhas civis a favor do governo de D. Maria II;
1855 - Transformação do RGR em Regimento de Infantaria Nº 2;
1895 - Forças do RI2, sob comando do coronel Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo, participam na campanha contra os vátuas, em Moçambique, estando presentes na captura de Gungunhana em Chaimite;
1917 - Um dos batalhões do RI2 é incorporado no Corpo Expedicionário Português, sendo enviado para França onde combate na frente ocidental da 1ª Guerra Mundial;
1918 - Transferência do RI2 de Lisboa para Abrantes;
1941-1944 - Por ocasião da Segunda Guerra Mundial o RI2 destaca forças para Cabo Verde, Angola, Moçambique e Timor;
1955 - Um Agrupamento Táctico do RI2, com um efectivo de 4.000 homens é integrado na 3ª Divisão portuguesa da NATO;
1961-1975 - O RI2 incorpora, treina e mobiliza um total de 52.000 homens para os diverso Teatros de Operações da Guerra do Ultramar, os quais formam 63 batalhões, 30 companhias independentes e 82 pelotões de apoio;
1977 - O RI2 passa a denominar-se Regimento de Infantaria de Abrantes (RIA), assumindo a responsabilidade de organizar, treinar e manter o 2º Batalhão de Infantaria Motorizada (2º BIMoto) da nova 1ª Brigada Mista Independente que substitui a 3ª Divisão NATO;
1993 - O RIA readopta a designação tradicional de RI2. O 2º BIMoto é transformado no 2º Batalhão de Infantaria Mecanizada;
1999 - O RI2 assume a função de Centro de Intrução Geral para praças voluntárias e contratadas.
2006 - O RI2 e extinto e nas suas instalacoes, foi instalada a EPC Escola Pratica de Cavalaria
Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Regimento_de_Infantaria_n.%C2%BA_2"