sexta-feira, 10 de abril de 2020

Guerras e guerras...

Houveram outras guerras... e houve uma para onde fomos obrigados a ir... tentam ignorá-la colocando todos esses combatentes no esquecimento... mas para quem por lá passou nunca será esquecida.
Estivemos lá, em Angola, no leste... no Saliente Cazombo, naquele quadrado com fronteiras rectilíneas, que entra pelo Zaire e faz fronteira com a Zâmbia. E foi mesmo aí que estivemos, na fronteira com a Zâmbia, na Lumbala Nova na margem esquerda do Rio Zambeze... A nossa companhia era a Primeira do Batalhão de Caçadores 4212/73, formado em Abrantes de Abril a Junho de 1973. Voamos para Angola em Julho desse ano e antes de irmos para as terras do leste passamos pela Funda na região de Catete para adaptação aos mosquitos! Tempos difíceis... Fomos transportados de Luanda (Grafanil) até Huambo (Nova Lisboa) em viaturas civis, nas carroçarias das camionetas da fruta que abasteciam a capital... depois fomos no Mala, comboio dos CFB - Caminhos de Ferro de Benguela até Teixeira de Sousa (Luau), o fim da linha na fronteira com o Zaire (antigo Congo Belga), e daí rumo a sul ao Cazombo, onde ficou estacionada a CCS do Batalhão... depois já noite seguimos mais para sul na peugada do rio Zambeze e passado o Chilombo, onde os Fuzileiros estavam ancorados, fomos encontrar o nosso refúgio de mais de um ano - a Lumbala! Tivemos uma recepção dantesca, tudo ardia à nossa volta que mais parecia uma cena de Apocalipse Now! Não foi mais do que a alegria extravasada por quem acabava a sua estada e recebia os “piriquitos” que os iam render!
As outras duas companhias do Batalhão ficaram também no saliente, a segunda na Calunda e a Terceira no Cavungo, onde a Rainha dos Luenas, Nana Candundo, tinha sua residência e cabeças de gado...
O saliente era, como dizia o mapa que encontramos pintado na messe de sargentos, “un champ minée”... Zona de passagem das tropas do MPLA da sua base situada na Zâmbia (região de Chavuma) a pouca distância da fronteira (Caripande) onde a companhia da Lumbala em anos anteriores teve um destacamento, que foi abandonado face aos constantes ataques do outro lado da fronteira, aos quais não se podia replicar por invadir território zambiano.
Muitas patrulhas, operações, colunas... muito sangue, suor e lágrimas derramadas por aquelas inóspitas matas e picadas... muitas histórias para contar quando as gargantas deixarem de gritar a revolta da incompreensão e do esquecimento...
Nesses tempos de antagonismos aconteceu Abril e disseram-nos que a guerra tinha acabado... na verdade não era bem assim, alguns grupos armados quiseram mostrar força e fizeram-nos sofrer... O MPLA tinha outros planos e sabia bem o queria para Angola... da sua base na fronteira com a Zâmbia escolheu a nossa companhia na Lumbala para estabelecer os primeiros encontros amigáveis... Corria o mês de Agosto quando na porta de armas surgiu um trabalhador da serração de madeiras com um bilhete para o nosso Capitão... O Capitão Baptista estava a preparar-se para partir de férias nesse dia e em face do bilhete adiou a partida... O bilhete era um convite para se deslocar ao fundo da pista de aviação (o Nord Atlas visitava-nos em semanas alternadas) e ter uma conversa amigável com o comandante de esquadrão do MPLA, Camarada Ser Fiel. Assim foi e o nosso Capitão convidou-o a vir ao nosso quartel... o povo da sanzala rodeou-nos... queria saber que futuro aí viria?... O esquadrão pernoitou essa noite no nosso aquartelamento... nós não pregamos olho! As notícias recentes de Moçambique, deixavam-nos apreensivos... mas tudo correu bem! Estavam a escrever-se páginas da história de Angola...6 de Agosto de 1974... Novo encontro amigável se concretizou algum tempo depois, mas desta vez com a presença de diversos Comissários Políticos sob a chefia do Comandante Orlog, comandante da Frente Leste do MPLA (mais tarde foi Ministro da Marinha). Após estes primeiros passos de relações amigáveis seguiu-se a assinatura do acordo de cessar-fogo entre a direcção do MPLA e representantes do governo e exército portugueses, a 21 Outubro de 1974, no Lunyameje, pondo fim à guerra de quase 14 anos.

1 comentário:

  1. Manuel Jesus comentou:Então voltamos uns meses atrás e às noites de poker na messe de oficiais, em que estava presente o chefe da DGS e como eu não jogava ficava por ali rodeando a mesa, vendo o jogo e mandando bocas e dizia para o capitão que um dia vendia aquilo aos turras. E tanto disse que ele acreditou
    Então no dia 6 de Agosto e com o capitão já no avião o moço chegou esbaforido gritando capitão!...capitão!. Daí a momentos o homem joga-me um papelito de embrulho para a mão e gritando: - O que é que você fez?
    Claro que eu desatei a rir porque estava mais a leste do que John Steinbeck. O papel dizia que se queriam encontrar connosco para falarmos e que estavam no final da pista.
    Por causa das notícias de que em Moçambique um pelotão tinha sido apanhado à mão, havia um certo receio. Então eu mandei a boca que ia ter com eles. O capitão foi logo para o posto de rádio falar com o Cazombo, o Cazombo com o Luzo, até Luanda. E aquela porra foi rápida. Já com os oficiais na messes, excepto o alferes Grave que estava na mata, e que parece que se cruzou com eles algures, mas sem saber porque foi um cruzamento à distância: Veio a ordem do Cazombo para mandarem alguém. Então nunca vi tanta gente a apontar para o o Jesus. E Ranger que é ranger nunca vira a cara ao perigo! Enfiei 2 granadas defensivas nos bolsos de cima do dólmem com as cavilhas desimpedidas e a Walther P38, no bolso direito. Montei-me no Willis e fui até ao fundo da pista e depois enfiei pela picada em direcção a Caripande. Ainda na pista o alferes Sotto Maio, (que fez o curso de Operações Especiais em Lamego, mas como era um baldas, chumbou!) que estava casualmente na Lumbala veio a correr para ir comigo e mostrando a G3 dizia que os matávamos todos. Deixei- o ir comigo e mandei-o meter a G3 debaixo do banco e avisei-o logo que podíamos ir todos pelos ares que vivo ninguém me apanhava. Ele aceitou e lá fomos.
    A uns 2 a 3 quilómetros do quartel, no meio da picada avistei uma dúzia de INs. Parei o Willis a uns 100 metros e segui a pé avaliando a situação, com os dedinhos nas cavilhas das granadas...parecia um forcado com as mãos a agarrar o colete...a situação era mais ou menos a mesma...as fera enfrentavam-se! Do meio do grupo sai um baixinho que faz uns passes fantásticos para a continência:
    - Comandante Ser-Fiel!
    -Alferes Jesus, 2º comandante.
    O alferes Sotto Maior tinha ficado no carro ainda.
    Depois o que se passou foi inverossímil, com cumprimentos e abraços. Convidei-os a irem connosco para o quartel e aí eles não gostaram muito, queriam que fosse na mata a conversa de fazermos cessar fogo e conferenciaram, até que aceitaram depois de trocarmos armas. O Ser-Fiel deu-me a Star dele e dei-lhe a P38.
    A partir daí vocês todos viram a nossa chegada triunfal ao quartel. Aquilo foi uma festa. Já havia mais índígenas à nossa volta do que militares.

    Depois disso mais tarde veio o comandante Orlog, que comandou o ataque com mísseis 122, carregados por burros aos quais tinham cortado as cordas vocais na Tanzânia para eles não zurrarem. E tem mais estórias com o Ser-Fiel e o Orlog, das 2 vezes que estiveram lá

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