LUMBALA 1974 - 1ª C.CAÇ. do B.CAÇ. 4212/73 (Abrantes-Angola) Regressados de Angola em Fevereiro de 1975 fizeram a sua reintegração na sociedade civil...uns continuaram os seus estudos,outros voltaram aos seus empregos ou emigraram ou regressaram onde antes tinham estado emigrados... Todos constituiram família...e hoje, já com cabelos brancos ou sem eles, mais ou menos barrigudos, pais de filhos e avós de netos, não podem faltar aos Encontros-Convívio que anualmente se vêm realizando...
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Memórias...
É tempo de exorcizar fantasmas…!
De dizer tudo aquilo que nos vai cá dentro e que calámos anos e anos…
De repente, vestem-nos uma farda verde e dizem-nos que somos soldados. Fazem-nos estudar tácticas e armamento, exercitar o físico e fazer marchas carregados como asnos.
Põem-nos uma arma na mão e somos obrigados a disparar sobre alvos móveis e fixos…
Tudo isto acompanhado de impropérios e dos mais “altos elogios” e “apelidos” que elevam o moral ao ser mais inferior… Depois são as palestras, as tácticas e técnicas de guerrilha, mas quem as ministra? Gente conhecedora e com experiência no terreno? Não! Soldados que como nós, feitos à pressa e após seis meses julgavam já estar aptos a ensinar aquilo que não aprenderam… Tivemos sorte, mesmo muita sorte…O nosso comandante de pelotão na recruta ministrada nas Caldas da Rainha era o Alferes Brito…diziam que já deveria ser Capitão e estar a comandar uma companhia qualquer no Ultramar…mas não! Estava ali, porque, diziam, tinha apanhado uma “porrada” na Guiné!… Aprendemos mais com ele na recruta do que em Tavira na especialidade! Mais tarde em Angola, na Lumbala, viemos a reencontrá-lo. Era o comandante da Z.O.Leste dos G.E.s (Grupos Especiais). Ficamos felizes. Tinha sido feita justiça com o reconhecimento do seu real valor como militar. Com homens como ele a ensinar, a dar testemunho da sua experiência tudo teria sido mais fácil e muitas vidas poupadas…
Mas não, passados três meses em Tavira onde a diversão dos graduados era levar os instruendos às salinas a fim sujarem a farda e com ela o passaporte ou título de dispensa, que nos levava para fora do quartel, pelo menos por algumas horas, era o prato forte…
Um dia, depois de na Atalaia termos efectuado dos mais degradantes exercícios, através de esgotos e arame farpado, para gáudio dos instrutores que deliravam ao ver e a escarnecer do espectáculo, fizeram-nos subir ao muro e ao pórtico…Lá em cima a pernas tremiam-nos. Não de medo, mas sim de revolta, de raiva e, olhando lá ao longe as salinas e o mar e no horizonte uma linha…pensávamos para ali fica Marrocos…
Memórias – parte II
Mas aguentamos, e, em Janeiro de 1973, esperámos ansiosamente receber a carta que ditaria a nossa sorte. Mais do que nós sofriam os entes queridos…Minha Mãe não resistiu à espera e, na véspera de receber a guia de marcha, despediu-se de todos nós…
Apresentei-me mais pobre no R.I. 2 em Abrantes no dia 8 de Janeiro…Ali estivemos um mês a dar recruta a soldados que formavam Batalhão para Moçambique, o B.CAÇ 4211/73, e lá tive de pôr à prova o pouco que tinha aprendido mas, que ao transmitir àqueles homens, por certo lhes seria útil dada a incógnita do que iriam encontrar… Em Fevereiro marchei até Tancos, ao Casal do Pote, onde na arma de Engenharia fui introduzido nas artes das Minas e Armadilhas. Aqui sim, o profissionalismo existia e os ensinamentos técnicos com base nas leis da física e da química, passavam além da prática, preparando-nos para o que pudéssemos vir a encontrar… Mas o IN era esperto e bem apoiado, por isso nem tudo o que ali aprendemos, na maioria baseado nas técnicas da guerra convencional de trincheira , seria o que depois enfrentaríamos, embora muitas das armadilhas da guerrilha já ali nos fossem mostradas. Por fim, de lá saímos com o crachat “Argúcia e Audácia” e regressamos a Abrantes.
Abrantes do Pelicano e das travessas de febras fumegantes e de batatas fritas estaladiças, la para os lados do Rossio ao Sul do Tejo, na Chainça… Das partidas de matraquilhos em Rio de Moinhos no curto intervlalo de almoço ou dos “raides” a Tomar, Torres Novas ou Entroncameto… Eram estas as recordações que levávamos!...
E de uma noite louca em que, com os amigos naturais de Lisboa e não só, decidimos ir ao arraial de Santo António a Lisboa…depois de uma “bacalhauzada” no João do Grão, corremos diversos bairros e acabamos em Alfama…Quando regressamos a Abrantes já estava a malta na parada para a formatura do pequeno almoço…Foi uma directa!
Mas havia que preparar os nossos homens para aquela jornada em África…Já se falava em Angola, já que o anterior batalhão tinha rumado a Moçambique. Demos o melhor de nós, afinal era com eles que iríamos contar e ter de enfrentar o desconhecido…
Foram meses duros…ainda mais, porque tínhamos alguém a quem obedecer que por vezes fazia pouco para o merecer… Por alguma razão se manteve como foi até ao final da comissão!
Depois a surpresa que muito nos agradou… O nosso Capitão havia estado, no Leste de Angola, como Alferes Miliciano, exactamente no mesmo local onde a nossa companhia estava destinada… A Lumbala.
Concluída a formação do Batalhão mais algumas peripécias com a partida…Partida marcada, parte não parte…Duas despedidas à família… E alguns já diziam: Isto é tudo psico! Eu sei lá o que era, mas que era muito mau, era!
O dia D enfim chegou e lá partimos num voo dos TAM cerca das 23h…que, por sinal após uma hora e meia de viagem, teve de regressar a Figo Maduro… Era mais psico? Não! Era mesmo avaria e só voltámos a embarcar era já madrugada…
Memórias – parte III
Chegamos a Luanda… A primeira imagem é toda aquela terra vermelha…África!
E lá fomos para o Grafanil… Era uma azáfama de gente (militares) e viaturas…Puseram os nossos homens numa caserna bem arejada e a nós sargentos (furriéis) numa casa de madeira em cujo telhado só se viam osgas a passear…coitadinhas das “aborboletinhas”…Fujimos logo dali e fomos pedir asilo na Setubalense bem perto da Mutamba (onde se apanhava o “machibombo” para o Grafanil…) até que rumamos à Funda para fazer o I.A.O., ou seja a adaptação à zona operacional… Na Funda ficamos instalados num antigo colonato e dali partíamos em pequenas operações pelas matas do Catete…Para quem desconhecia as matas e florestas africanas foi uma experiência inolvidável, onde ataques de formigas “salalé” e de pulgas “matacanhas” nos deixavam desesperados… Depois a visita a algumas fazendas da região…uma delas a Maria do Carmo ou seria Maria Helena?!...
Nos momentos de folga dávamos uns “raídes” até ao Cacuáco e tirávamos a barriguinha de misérias a comer camarão e caranguejos de Moçâmedes bem regados com uns “canhangulos”.
Mas o Leste estava à nossa espera e era preciso rumar até lá…
A 21 de Agosto partimos do Grafanil, qual carregamento de verdes melões…Todos de camuflado nas carroçarias das camionetas, que normalmente traziam frutas e produtos agrícolas do interior até Luanda…!
Passamos pela Quibala…pelos colonatos da Cela e…
Chegamos a Nova Lisboa já noite. Fomos pernoitar no quartel do EAMA.
De manhã levaram-nos para a Estação dos Caminhos de Ferro para apanharmos o comboio da linha do leste – o Mala (Caminhos de Ferro de Benguela), mas este saiu tardiamente e no primeiro dia fizemos somente um pequeno percurso até Silva Porto. No dia seguinte fomos até ao Luso…o Leste era já ali… Passávamos por estações apinhadas de gente indígena que nos tentava vender fruta ou outra coisa qualquer e os “canhicas” (assim se chamavam os miúdos – os putos – na língua Luena) pediam-nos latas (de ração de combate). Se algum de nós atendia o pedido e lhes atirava uma, era uma alegria e uma correria desenfreada a ver quem a apanhava! Numa delas cruzámo-nos com um Esquadrão de Dragões, acabados de terminar uma patrulha a cavalo pelas “chana” queimada, todos eles negros do fumo e do carvão, quase não reconhecíamos o Pereira, nosso conterrâneo de Arrancada do Vouga, furriel naquele esquadrão…
Depois eram as paragens técnicas em lugares específicos, pois era necessário que se fizesse o reconhecimento da linha a ver se estava limpa e livre de qualquer perigo…
Tudo aquilo desfilava aos nossos olhos como tirado de um filme já visto…O Dr. Jivago, mas com menos neve…e mais, muito mais, quente. E claro sem ponta de Vodka ou algo parecido!
A chegada à Vila de Teixeira de Sousa, o fim da linha, era uma festa. A vida parava na Vila para vir assistir à chegada do Mala…Era um amigo, um familiar, uma encomenda que nele chegava ou a simples curiosidade de ver chegar o comboio, o que atraia tanta gente à estação. Naquele dia chegou tropa, muita tropa… Fomos logo encaminhados para o Quartel de Teixeira de Sousa onde aguardamos pelas viaturas que nos haviam de levar picada abaixo até ao Cazombo e depois à Lumbala.
Foi mais uma aventura, pois tudo era para nós desconhecido…Quando atravessávamos alguma ponte, normalmente com sanzalas por perto, as inúmeras fogueiras faziam-nos lembrar algo irreal…Chegamos ao Cazombo, sede do Batalhão. A coluna desmembrou-se e nós seguimos mais para sul…ao longo do Zambeze.
Chegamos à Lumbala já noite. Toda ela estava iluminada com inúmeras fogueiras… A recepção, dos que lá estavam, aos “maçaricos” não podia ter sido melhor. Parecia uma cena tirada do “Apocalipse Now”, mas sem explosões, note-se… Afinal eram os substitutos, há tanto esperados, que os vinham substituir e assim proporcionar o seu regresso ao “Puto”. Ainda ficaram por lá uns dias e foram-nos transferindo instalações, experiências e até as lavadeiras…
Memórias – parte IV
À primeira vista tínhamos mesmo vindo cair num buraco…mas depois dando uma volta pelas redondezas verificámos que não estávamos assim tão mal…O Zambeze corria ali mesmo ao lado…o que nos garantia água com abundância. Tínhamos uma pista de aviação onde o Nord Atlas vinha periodicamente trazer correio, víveres ou transportar pessoas…Ao nosso lado o aldeia onde viviam os G.E.s e seguindo a estrada, que nos levava ao rio e à barcaça que nos atravessava para a Lumbala Velha, encontrávamos a casa do Administrador e a da D.G.S. e logo a seguir a Sanzala. Em frente a esta o aldeamento dos Flechas e mais à frente a loja do civil… Era a Lumbala Nova!
Numa primeira palestra o nosso Capitão começou por nos avisar que a nossa tarefa naquela região iria ser árdua. Teríamos de manter o respeito e fazer com que o M.P.L.A. não se aproximasse do nosso aquartelamento, de molde a permitir que nos fizessem qualquer ataque, o que já tinha acontecido anteriormente quando lá tinha estado como Alferes… A partir daí não mais dormimos todos juntos no nosso quartel, já que diariamente um grupo de combate se encontrava fora do arame em patrulha ou operação, normalmente para as proximidades do Lufuige, ou seja da fronteira com a Zâmbia, pois era daí que vinha o perigo (as infiltrações do M.P.L.A.).
No passado a existência de um destacamento em Caripande, posto fronteiriço entre Angola e Zâmbia, servia de tampão e matinha esse respeito, mas sofriam tantos ataques de morteiro por parte do M.P.L.A. com uma base dentro do território Zambiano, a poucos quilómetros da fronteira, que o comando do Luso mandou retirar esse destacamento. Após esse abandono por parte dos militares, Caripande morreu, tendo sido abandonado pelas populações e outros serviços lá existentes. Fomos lá numa operação…Era uma aldeia fantasma com as ruínas invadidas por vegetação. Do posto fronteiriço apenas a existência de uma barreira e de um polícia zambiano, que olhou para nós com um olhar espantado, pois há muito que não via gente do nosso lado! Estivemos por ali pouco tempo não fossem os nossos antagonistas avisados e de imediato viesse uma chuva de “ameixas”…
Joao Carlos Breda (ex-Furriel Miliciano)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário