terça-feira, 30 de junho de 2009

...da Lumbala a Caripande...


Caripande foi em tempos o posto fronteiriço de ligação de Angola à Zâmbia pelo Saliente Cazombo (hoje desconheço se está activo!?).
Era uma pequena aldeia, composta por uma sanzala, algum comércio, posto administrativo e fronteiriço e um destacamento militar. Este pertencia à Companhia aquartelada na Lumbala.
Com a intensificação dos combates nas décadas de 60 e 70 e dada a presença de uma base do MPLA em território zambiano, a pouco kilómetros da fronteira, no tempo da Companhia anterior à nossa, foi decidido abandonar Caripande, dada a insegurança com que lá se vivia. Efectivamente Caripande era constantemente fustigada com ataques de morteiro vindos do outro lado da fronteira e, quem se encontrava em Caripande, não podia ripostar, pois isso seria violar território estrangeiro e por conseguinte infringir as leis internacionais.
Abandonado Caripande havia necessidade de manter aquela zona patrulhada, a fim de tentar controlar a infiltração de grupos do referido movimento armado ali baseado e sua possível actividade bélica, principalmente na montagem de armadilhas e colocação de minas nas picadas.
Quando efectuávamos essas patrulhas ou operações percorríamos picadas, caminhos de floresta e trilhos. Diversos obstáculos tinham de ser ultrapassados, entre os quais os rios da rede hidrográfica daquela região, alguns dos quais afluentes do Lufuige e outros como este do Zambeze. Podemos enumerá-los desde a saída da Lumbala. Assim tínhamos: o Nhamboma com o Macunhe, o Cavanda, o Luxima com o Cagila, o Chissamba, o Cacande, o Catecha, o Calupemba e o Lufuíge com o Londoge e o Lué. Por último e antes de chegar ao Caripande encontrávamos o Chibeba.
Grande parte destes era atravessado pela picada que antigamente ligava a Lumbala a Caripande e por isso havia que manter transitável e livre de qualquer perigo as pontes neles existentes. Muitas delas foram por nós reconstruídas com toros de madeira, coisa que facilmente obtínhamos com o abate de algumas árvores.
Durante a nossa estada naquelas paragens mantivemos uma intensa actividade de patrulhamento na área que nos estava adstrita e assim conseguimos manter toda a zona livre de qualquer ofensiva e as nossas picadas limpas de armadilhas. A isto não seria estranha a experiência do nosso capitão, que ali tinha feito o seu tirocínio como alferes. No entanto chegado o 25 de Abril de 1974 veio a ordem do comando da Região Militar do Luso e o cancelamento de todas as operações e suspensão de qualquer tipo de actividade. Em suma, teríamos de nos manter aquartelados mas sem efectuar patrulhas, operações ou o que quer que fosse. A guerra tinha acabado!
Puro engano…A guerra para nós tinha começado! A partir daí foi uma sucessão de acontecimentos. Primeiro sofremos um ataque ao quartel em Junho de 1974, foi o primeiro ataque desferido pelo MPLA em território angolano com mísseis terra-terra, armas que para nós eram desconhecidas. Eu encontrava-me em gozo de férias em Portugal e soube do dito através de um aerograma enviado por um companheiro, por isso não poderei relatar em pormenor o acontecimento e espero que isso venha a ser feito por algum dos presentes. No entanto, pouco tempo passado e quando já havia regressado à Lumbala, recebi correspondência do meu pai e, surpresa das surpresas, um recorte do jornal A Capital onde relatava em pormenor o referido ataque à Lumbala. Segundo o qual a Lumbala havia sido completamente destruída e as baixas mais que muitas…No entanto isso não passava de pura propaganda, pois dos ditos terra-terra nem um acertou no nosso quartel ou até mesmo na sanzala ou acampamentos circundantes dos GE e Flechas… Sem mais comentários…


Logo a seguir sofremos uma emboscada à escolta do MVL já a poucos quilómetros de Teixeira de Sousa. Aí sim a vítimas mortais aconteceram…
Aquando deste acontecimento encontrava-me eu no Luso, de regresso de férias. Quando a notícia lá chegou e dela tive conhecimento corri ao hospital a ver se chegavam feridos.
No dia seguinte segui no mala para Teixeira de Sousa aonde vim encontrar os meus companheiros, de coração destroçado pelas perdas sofridas. Regressei à Lumbala nesse mesmo MVL, e como regressava de férias não tinham farda nem armamento, pelo que tive de improvisar uma farda e a minha arma de defesa foi uma pistola Walter…

Depois disto outros trágicos acontecimentos surgiram… uma mina na picada quando o 1º grupo ía à lenha para os lados do Cavanda (estrada de Caripande) e logo o despoletar de algumas armadilhas instaladas na mata circundante…Alguns companheiros feridos e a necessitar de evacuação por via aérea…
Mais tarde o accionamento de duas minas, que embora se encontrassem instaladas lado a lado (à distância do rodado de uma Berliet), foram rebentadas em dias separados, primeira pela roda de uma Mercedes e a segunda por um Unimog, na picada entre a Lumbala e o Chilombo (direcção do Cazombo).
Esta última causou o momento mais negro da nossa jornada em Angola, o de maior sofrimento, terror e raiva vivido pela nossa Companhia.

Após o 25 de Abril aquela zona tornou-se efectivamente no “Champ Minnée”, como dizia o mapa que encontrámos pintado na parede do bar da messe de sargentos, no dia em que chegámos à Lumbala!

Nota: O autor foi Furriel Miliano do 2º Grupo de Combate da 1ª Companhia de Caçadores do Batalhão 4212/73 aquartelado na Lumbala Nova.

10 comentários:

  1. Com a devida vénia, quero aqui publicar o conteúdo do e-mail do ex-Furriel Jaime Silva, que esteve na Lumbala a Nova, respectivamente na C.Caç. que veio a ser rendida pela nossa...
    "Foi com alguma emocao que li o sue blogue sobre a sua estadia na Lumbala Nova,e conclui que a sua companhia foi render a minha em finais de Agosto de 1973.Entrei para a tropa em Julho de 1970 para as Caldas da Rainha de seguida Tavira e mais tarde segui para Tancos tirar curso de minas e armadilhas.Formei Batalhao na Amadora e em Julho de 1971 embarquei no Principe Perfeito? para Angola.A chegada e estadia nos primeiros dias foram iguais aos seus.a viagem ate Lumbala Nova foi exactamente o percurso que fizeram.As companhias e destacamentos mantiveram-se.

    Embarquei em Luanda de regresso a Metropole em 11 setembro de 1973.

    Das minhas memorias da estadia na Lumbala recordo a amizade com o comandante e sub comandante dos Flechas o Domingos e Jaime.Recordo com saudade as cervejas consumidas no estabelecimento da Lumbala cujo dono tambem se chamava Jaime e tinha como mulher uma pretinha muito gira.

    Recordo igualmente a amizade que fiz com um camionista Sr Martins que me hospedava em sua casa quando ia a Teixeira de Sousa em escolta ao MVL,as cacadas que faziamos a noite partindo da Lumbala Velha e chegavamos ja de dia a Lumbala carregados de carne,as escapadas a noite ao Chilombo de jipe para confraternizar com os Fuzileiros,a caça aos jacares a noite ao longo do Zambeze etc.

    Tudo sao boas recordacoes quando regressamos com saude e sem grandes traumas.

    No teu blogue relatas ataque a Lumbala com misseis como sendo o 1º,mas nao,tambem somos atacados com essas armas apos um regresso duma operacao a Caripande,mas felizmente nao acertaram em ninguem.Os misseis cairam entre o campo de futebol e o rio Zambeze.

    Por hoje é tudo,recebe um abraco do teu ex-camarada de armas Furriel Jaime Ferreira

    Parabens pelo seu blogeu.
    Jaime Ferreira

    ResponderEliminar
  2. Olá Companheiros!

    Foi com enorme alegria que encontrei este blogue quando estava aqui a procurar algo sobre a Lumbala e logo um dos manos Lorena!

    Quero esclarecer que efectivamente nós, 1ª Cª do 4212, levamos com o 1º ataque com misseis 122. Informação recolhida no local com o major Orlog e comandante Ser Fiel, aquando do encontro para se iniciarem as conversações de paz. Tenho comigo cassetes das conversações. São únicas! Tinham sido uns novos brinquedos que os nossos adversários tinham recebido. Estes brinquedos estavam montados em rampas de 12 unidades cada no lombo de burros. Repito BURROS! aos quais tinham sido cortadas as cordas vocais, para não zurrarem e assinalarem a presença.
    Tive o privilégio de acertar a menos de 10 metros de uma das rampas, com uma canhoada do nosso canhão sem recuo, tendo tido o efeito de os burros darem corda às ferraduras e assim deram ao slide fazendo com que o ataque acabasse.
    A cena foi gira já que estava o nosso grupo a jogar futebol com o grupo do Ulisses e perdíamos por um a zero. Eu estava sentado na vedação entre o campo e o quartel junto ao estacionamento das viaturas quando no céu rebentaram uns foguetes...eram cinco e dezassete da tarde, o sol quase a cair...
    -olha foguetes.
    -Foguetes!? Foguetes o caralho! É um ataque!
    Então o pessoal até passou através do arame farpado, e zarparam todos a pegar nas armas e a correr para os abrigos.
    Na corrida encontrei-me com o Raposo e fomos para o canhão. Como não dva para ver bem a direcção do fogo do inimigo tive a brilhante e louca ideia de subir ao depósito da água, que afinal era o ponto de mira dos nossos "amigos", para meljor dirigir o Raposo. Ao fim de conseguir ver mais ou menos de onde vinham os misseis lá orientei o Raposo e ao 3º balázio a guerra acabou. A partir daí fiquei com uma alcunha de que não gostava muito.

    Quanto ao ataque ao MVL perto de TS efectivamente foi uma coisa feia já que o ataque foi perpetrado através de roquetes que entraram na 1ª Berliet onde fizeram os maiores estragos, já que os nossos camaradas mortos iam todos nessa viatura. Eu vinha na 2ª viatura a 50 metros da 1ª e fizemos de imediato o contra-ataque com os únicos homens que não enfiaram os cornos no capim. E eram eles o Zequinha, o João, eu e um condutor de que não lembro o nome agora. Os dilagramas foram a nossa salvação. Foi uma coisa muito rápida e ainda hoje consigo ver o cérebro do António, um puto baixinho e anafado que tinha vindo de França de propósito para vir fazer a tropa. Em França ele gamava carros e já tinha feito uma casa para a mãe, lá na terra dele algures em Trás-os-Montes. Outro dos que me deixou muita pena foi o cozinheiro que tinha trocado com outro para poder ir a TS, pois nunca tinha saído do quartel. E eu que lhe tinha dito para ele ir no outro, não sei porquê. Além disso eu conhecia muito bem a irmã dele que morava como eu na Brandôa. Coisas da puta da vida!

    ResponderEliminar
  3. Olá Companheiros!

    continuação

    Não esqueças que antes de regressarmos ao Puto estivemos em TS e isso foi depois de no dia 6 de Julho ou Agosto? terem aparecido guerrilheiros do MPLA com vontade de falar com os chefes da tropa portuguesa. Soubemos do acontecimento através de um local que apareceu a correr com um papel na mão.
    -Capitão! Capitão! os turra tão na mata!
    O nosso capitão já estava sentado no Nor que o levaria de férias ao Puto
    A primeira reacção do capitão foi virar-se pró Jesus e perguntar:
    -O que é que voçê fez?
    É que o Jesus andava sempre a meter veneno e dizia que quando o capitão fosse de férias entregava aquilo aos turras.
    -Eu o quê? perguntou o Jesus
    No papel estava escrito que era precisa queo comandante se encontrasse com os guerrilheiros na mata ao fim da pista pois a mesma estava cercada. O Jesus como tava sempre no gozo disse logo que ia lá ele se não houvesse mais ninguém, pois o capitão não podia que ia de férias.
    Depois de várias ligações com o Cazombo, Luso e Luanda, chegaram instruções para alguém ir ao encontro dos guerrilheiros. Sabem quem foi? Claro tinha que ser o Jesus, pois mais ninguém se tinha oferecido!
    Então o Jesus enfiou duas granadas defensivas nos bolsos do dolmen, com as cavilhas para fora e uma Valter no bolso, montou-se num jipe e lá foi. Pelo caminho apareceu-lhe o alferes Sotto Mayor, a correr, que também queria ir com ele. Lá partiram os dois e quando voltaram traziam o jipe carregado de "turras". Foi uma festa do caraças nesse dia! Houve dança todas as noites. Batuque com fartura.

    Depois de termos tido esta festa uns dias depois é que levamos com a emboscada perto de TSousa. Mas aí foi da parte da FNLA e a emboscada não era para nós. Era para os nossos camaradas do destacamento antes de TSousa.

    Bem Camaradas, vou ficar por aqui por agora pois tá a começar o Portugal-Hungria.

    Grande Abraço!
    um "anónimo" manux@netmadeira.com

    ResponderEliminar
  4. ei.pessoal eu fui o 1 cabo gomes da cart. 3416 na lumbala velha entre agosto de 71 e novembro de 73.so foram 2 anos e tres meses naquele lugar,um abraco para todos.

    ResponderEliminar
  5. Amigo, desconhecia esses ataques a Lumbala depois do 25 de Abril e vejo que realmente a situação esteve muito complicada.
    Quando lá estive em 1968 a minas ainda não existiam mas apenas emboscadas e ataques aos quarteis. Também no Chilombo os fuzos sofriam muitas emboscadas nas margens do Zambeze.
    Mais um registo: Foi quando estavamos em Lumbala que ali morreu Neto de Portugal (creio que irmão da drª Manuela Eanes)atingido pela hélice de um avião quando dele saia.
    Para a Gafaria, de que fala noutro Tópico cheguei a levar carradas de katangueses que iamos buscar ao Katanga. Os desgraçados vinham enganados porque pensavam que vinham formar exercito para combaterem no Katanga pela sua independência. Quando viam o engano tentavam fugir e eram apanhados e fuzilados numa mata perto do Cazombo.

    ResponderEliminar
  6. olá , foi o primeiro ataque com misseis que apanhaste amigo, mas não foi o primeiro á lumbala nova ,pois no dia de s. martinho
    (castanhas) bati os 100 metros livres a correr
    para os abrigos pois fomos atacados com misseis.
    fernando gomes (berliet)

    ResponderEliminar
  7. Zeca António Andrade6 de janeiro de 2012 às 05:55

    A Todos,
    militares que andaram em Lumbala cumprir a sua missão obrigatoria,tenho imensas recordações de vossas, o povo daquela parecela de terra fala muito sobre vocês,pois vós ensinastes à aquela gente falar a lingua do mais velho Luis de Camões. Assim fala aquela gente.

    os meus cumprimentos
    zeca António Andrade

    ResponderEliminar
  8. Olá Zeca,
    tire-me uma dúvida. Você foi por acaso o último chefe de posto, aquando da retirada das tropas portuguesas?
    As recordações que tenho é de uma gente humilde e doce. Gente boa, vivendo entre dois exércitos, o português e o MPLA. Conheci alguns e algumas, que estavam no meio da nossa tropa, mas eram uns tempos difíceis para todos, em que para mim aquele povo era meu povo. Saudades de tanta gente! Do soba, do patrão da loja, da Estrela, a mulher mais linda que alguma vez vi!, do moço que me lavava a roupa, da namorada do capitão com quem uma vez estive em casa e tinha uma kalashnikov debaixo da cama:)), das brincadeiras dos putos, de tanta gente! Bem hajam por terem feito parte da minha vida, das minhas lembranças.

    alferes jesus

    ResponderEliminar
  9. Corrigindo Victor Azevedo: O então capitão piloto-aviador Neto Portugal, irmão da Dr.ª Manuela Eanes, não morreu devido a intervenção atempada do civil Manuel das Pedras, este sim falecido há anos no Continente de doença prolongada- O Manel retirou-o do avião, creio que a arder. O Senhor Coronel está vivo e de razoável saúde. A despropósito, se souberem de um oficial fuzileiro de nome Espadinha, andebolista de renome e excelente pessoa, dêem-lhe um abraço do não tão boa pessoa, ex-alferes Paróla, cmdt do AM do Cazombo nos idos de 72.
    Fiquem bem e cuidem-se. Natálio Nunes Paróla, nnp@sapo.pt

    ResponderEliminar
  10. Muito boa tarde, camarigos(camaradas e amigos:Efectivamente houve um ataque em Lumbala no dia de S. Martinho de 1973 ao fim da tarde, mas ainda sol alto. Eu fazia parte da CART. 3540- Bart. 3881 (CCS no lucusse), e estavamos do lado de cá do Zambeze, adar protecção à JAEA. Estavamos a começar a jantar e apanhamos cá um susto do caraças!!! Inicialmente pensamos que o ataque era contra nós... à noite atravesei com o Capitão da minha companhia e mais alguns, e fomos ver os "estragos" do ataque. Nada de grave, felizmente. Mas pude ver uma "cratera" no campo de futebol, onde nessa manhã tínhamos andado a jogar futebol!!!
    Um abraço para todos.
    Feio- Ex-furriel da Cart. 3540

    ResponderEliminar