segunda-feira, 13 de julho de 2009

Recordando...



Durante a minha permanência em Angola, mais propriamente na Lumbala Nova, nunca tive a intenção de escrever um diário e, muito menos, um livro...
No entanto valendo-me de uma agenda, que havia comprado na livraria Lello em Nova Lisboa (onde também comprei o “best seller” CRISTO RECRUCIFICADO de Nikos Kazantzaki, que me custou 100 angolares), aquando do nosso embarque no “mala” (comboio dos CFB que ligava o litoral – Benguela – ao interior – Teixeira de Sousa, na fronteira - Luau - com o Zaire (ex-Congo Belga), gostava de ir anotando algumas passagens ou coisas, que na altura pareciam banais, e, hoje, leio com curiosidade.
Mas, ainda voltando a essa fugaz passagem por Nova Lisboa, para dizer que isso aconteceu no dia 22 de Agosto de 1973, depois de uma viagem desde Luanda (Grafanil) na caixa de um camião, que usualmente transportava frutas e outro produtos agrícolas do interior até Luanda.
Lembro-me que nessa viagem passamos pela Quibala e bordejamos o colonato de Cela. Chegados a Nova Lisboa, pernoitamos no quartel do EAMA e, pela manhã, avançamos até à estação dos CFB a fim de embarcar no dito comboio.
A viagem durou três dias. Ao fim do primeiro, chegamos a Silva Porto, onde o comboio parou para pernoitar. No final do segundo, a paragem foi no Luso e, no terceiro dia, chegamos a Teixeira de Sousa, depois de havermos passado as estações do Léua, Lumeje e Luacano.
Foi uma viagem de certa forma atribulada para o nosso grupo de combate, o 2º pelotão, pois das carruagens que estavam destinadas à tropa uma delas era de bancos de madeira, como o nosso grupo ficou instalado nessa no primeiro dia, o Aspirante Ulisses achou isso como uma afronta, pois tinhamos estado de serviço no dia anterior, e, embora, os nossos superiores lhe explicassem que haveria rotação de carruagens, ele por “birra” não o quis fazer e “obrigou” o grupo a permanecer nessa carruagem e a fazer toda a viagem em grande desconforto… A partir daí, alcunhou o 2º pelotão de “Os Costas Largas”, nome que nos acompanhou durante toda a comissão!
Voltando à dita agenda…
As primeiras anotações que encontro são relativas à língua da etnia LUENA, que habitava a região do Saliente Cazombo. De notar que esta língua tinha alfabeto e escrita. Consegui um dia que me dessem um pequeno livrinho com a História do Nascimento de Jesus escrito nessa língua e que havia sido publicado há muitos anos por missionários, que tiveram as suas Missões nessa região. Na Lumbala Nova, junto às laranjeiras (ao fim da pista de aterragem), ainda se podiam ver ruínas duma dessas Missões. Estas com o início da guerra foram abandonadas.
Como algumas dessas palavras ainda estarão na memória dos meus amigos, vou aqui recordá-las:
Eu – IANI; Tu – IOVE; Eles – NENO;
Sim – ENGA; Não – TCHICO; Muito – TCHICUMA ou CANA;
Saudação – MOYO ou MOYOOVE; Estás bom? – NAYOYO ou CHAMUANZA;
Dia – MUSSANA; Noite – FUCO; Hoje – LELLO; Ontem – ZAU;
Bem vindo – TAMBOKA; Amanhã - AMÉNE ;
Mentira – MACULI; Mentiroso – MACULIOVE; Verdade – TCHAMBOENDE;
Aonde – CULI; Não sei – CUIJI; Ainda – CANDA;
Vou e volto – MUKEZA; Vai embora – YAKO ou FUMACO ou FUMA;
Maluco – ZALUCA ou CHILEIA;
Casa – MUSU; Avô/Avó – CACA; Mãe – MAMA; Pai – TATA; irmão(ã) – SONGO;
Filho(a) – MAMANE; Meu neto – MUSUCOLIAMI;
Fogueira – TIJICO; Lume/Fogo – CACAIA; Tronco na figueira – COCUNHO;
Sol(calor) – MUSSANA; Estrela – TAGANHICA;
Dinheiro – JIMBONGO; Nada – PIMBE ou COCE;Cigarro – CARICANHA; Um cigarro – MACANHA; Vários cigarros – LICANHA.

E mais, encontrei escrito, num guardanapo, não sei por quem, a seguinte canção de Natal em Luena:

É Natal
É Natal
Fucu à natal
Tunguelô vossemá
Nanahililá

Jessu Nassemuca
Mieje jiáivulo
Tunguelô vossemá
Nanahililá

Mas...Há mais… Esperem pelos próximos relatos…

2 comentários:

  1. Bom dia, caro amigo.
    Entrei aqui, por acaso, nas minhas voltas pelas "recordações de guerra" e fiquei emocionado.
    Estive na Lumbala Velha e fui algumas vezes a Lumbala nova.
    Fiz parte do Bart. 3881, cuja CCS estava no Lucusse, e a minha Companhia, a Cart. 3540, estava no Lunhamege, e depois alguns grupos vieram dar protecção à JAEA para Lumbala Velha.
    Estivemos em Angola desde Junho de 1972 a Setembro de 74.
    E ao ler a notícia sobre o ataque ao v/aquartelamento, veio-me à memória um facto igual, passado antes disso, num dia de S.Martinho (1973? - suponho que sim) em que a Companhia que estava no Lumbala Nova foi atacada, ao fim do dia, com misseis, que cairam no campo de futebol e nós, do lado de cá do rio, apanhamos um grande susto!!!
    Depois rodamos,e a minha Companhia ficou no Luando.
    Infelizmente, no dia 6 de Maio de 1974, uma emboscada da UNITA, matou 6 companheiros, 3 do meu pelotão, um cozinheiro, um condutor e um Furriel, o Miranda, que ia integrado no meu grupo, na minha vez !!!
    As histórias são como as cerejas, e terias muitas para contar ....
    Fica para uma próxima..talvez.
    Acrescento ainda que anualmente fazemos encontros da Companhia e são um verdadeiro espectáculo de saudade e companheirismo inolvidáveis.
    Gostava de ter, tal como tu (deixa-me tratar-te com esta intimidade)as localidades e referências tão vivas, mas não tenho.
    Depois da guerra, o que quis foi esquecer e depressa, embora também tenha muitas boas recordações (é um bocado contraditório, mas é mesmo assim).
    Um abração para todos os ex-militares, nomeadamente os que estiveram em Angola e no Leste
    Feio (ex-Furriel) na Cart. 3540.

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  2. O curioso da situação é que, para além do amigo, segundo me parece, ter dormido na mesma camarata que eu, até o local da cama parece o mesmo...

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